Os transtornos psiquiátricos também sofrem atualizações em função do momento em que vivemos. Essas mudanças decorrem do que se chama patoplastia. A patoplastia é consequência, portanto, da evolução dos diagnósticos dentro do compasso humano, de sua historicidade e de suas interações com sua época.
Desde que foi criado em 1952, o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais ou Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) vem crescendo em páginas e em definições de casos. Na primeira edição, eram 106 problemas psiquiátricos diferentes apresentados em 130 páginas. Na edições seguintes, só aumentos. A segunda, em 1968, saltou para 168 transtornos; na terceira, em 1980, incríveis 265 diagnósticos! Em 1994, a quarta edição trazia 297 diagnósticos em 886 páginas. No atual (o DSM-5), são mais de 300 transtornos em quase 1.000 páginas! Ufa! Desse modo, é compreensível a fala de Til Wykes: “A piscina da normalidade está se tornando uma simples poça”.
Nessa esteira, acompanhemos o que aconteceu com a depressão. A depressão “surgiu” na segunda metade do século XIX. Antes, não se falava efetivamente em depressão. A obra de Gustave Flaubert, Madame Bovary (recomendo muito!), é um marco literário sobre a patologia, mas foi escrita em 1857! Hoje, quando alguém afirma sofrer de depressão, a próxima pergunta é: de qual delas? Hoje, estão definidos 11 tipos de depressão, a saber: distimia (Transtorno depressivo persistente), transtorno disruptivo da desregulação do humor, transtorno disfórico menstrual, transtorno depressivo induzido por substância ou medicação, depressão sazonal, depressão secundária, depressão endógena, depressão atípica, transtorno depressivo maior (transtorno bipolar tipo I – o tipo clássico), depressão bipolar (transtorno bipolar II e III, transtorno ciclotímico) e depressão psicótica. A amplitude dos diagnósticos é uma realidade questionada por muitos e motivo de muitos mais tratamentos do que em qualquer época anterior. Bem antes da pandemia e do DSM-5, em 2010, 1 em cada 5 adultos estadunidenses usavam medicações para problemas psiquiátricos!
A expectativa é de que a pandemia coloque números ainda mais desanimadores para esse cenário. Isso é compreensível. O medo de morrer, o medo de perda de renda, a sensação de impotência com o que ocorre no mundo, a falta de perspectiva exata de quando tudo vai melhorar, a ansiedade sobre o futuro, a preocupação com sua família, o isolamento social, o receio da saúde mental das crianças e adolescentes, tudo isso acentua ainda mais angústias do momento. Quem está inteiramente “normal” nesse momento?
O normal está perdendo poder, está sendo cada vez mais difícil pertencer ao seu domínio. Mas que todos tenhamos confiança no poder científico e na resiliência das pessoas. Vacinemos e sigamos. Vai passar.