Queria desenhar como um escritor, o oposto de Clarice, como um escritor. Uma palavra escrita no papel nasce pronta, deixem as figuras de linguagem de lado por enquanto, ela é o que ela diz. Tal e qual uma nota, o Dó é um Dó não importa o instrumento tampouco a mão do maestro ou do músico, mas, e um conjunto de palavras?… Bem, nas mãos de um exímio escritor um conjunto de palavras diz mais do que ele parece ser, as notas se comportam da mesma forma intrigante. Queria desenhar como um escritor…
Um conjunto de linhas dispostas no papel formam um desenho que pode dizer mais que as famosas mil palavras, mas nunca consegui fazer com que uma única linha dissesse o que ela deveria ser. E isto são horas e horas na frente da prancheta tentando ilustrar um sentido para as linhas. Teima, sofre e sua para chegar num resultado que satisfaça seu diligente.
O poder de síntese ainda não me compete, digamos assim: em matéria de desenho sou prolixo, me atenho demais aos detalhes e o trabalho demora a chegar no objetivo, a síntese é uma capacidade que vem com o tempo, ou como já disse Clarice: (…) “só se consegue a simplicidade através de muito trabalho”. Tentar resolver uma ideia complexa em uma única página, é por isso que o Caráter Pictográfico (CP) nasceu.
Uma forma singular que o Tecnopod, podcast do portal Tecnoveste, encontrou para exemplificar a ideia geral ou o ponto de vista do convidado sobre o tema discutido no episódio. Pensamentos complexos resumidos em um pôster para cada tema, já disse que queria desenhar como um escritor?
Lidar com o pensamento alheio é uma grande responsabilidade, não deveria sê-lo de ninguém além de seu dono por que há risco de corromper a essência do pensamento. O seu tradutor, no caso o desenhista, não sendo a mesma pessoa não tem, por tanto, as mesmas ferramentas para compreender o raciocínio, assim como não tem espaço físico para verbetes anunciando eventual erro de interpretação.
À vista disso, caso a arte publicada não corresponda ao que foi apresentado no episódio ela perde seu valor objetivo e passa a ser um mero enfeite. Ideias não podem ser meros enfeites, uma ideia é, senão, a alma do intelecto tomando forma e que, por tanto, gera consequências.
Antes que eu me perca nas palavras, como um escritor o faz, concluo sobre as ideias desenhadas, as abstrações que tomam forma sob uma hierarquia inteligível. Se um texto pode se valer da lógica para expor o ilógico, assim como uma sinfonia, talvez um desenho possa se comportar como um texto e eu como Clarice.