Ao longo da história recente, algumas pandemias e epidemias assolaram a humanidade. Ainda no século XIV, a peste negra matou entre 75 e 200 milhões de pessoas, e agora mais recentemente, em 1918, a gripe espanhola matou entre 40 e 50 milhões de pessoas. Estas duas pandemias, juntamente a pandemia da gripe suína, que teve menor taxa de letalidade, e epidemias como a do ebola, da zika, chikungunya e dengue, sempre tiveram uma origem comum: os animais.
Diversos vírus que passaram de hospedeiros animais para os seres humanos no último século tiveram relação com o contato próximo entre pessoas e animais silvestres, como morcegos e macacos. Soment nos últimos 50 anos, cerca de 75% das doenças tiveram origem animal. Em alguns casos, a infecção se dá diretamente; em outros, ocorre indiretamente através do consumo de carne.
De modo geral, o problema está na destruição ambiental causada pela expansão agrícola, industrial e urbana. Locais próximos à borda de florestas tropicais onde mais de 25% da floresta original foi perdida tendem a ser focos de transmissões virais entre animais e humanos. Morcegos, por exemplo, que são os prováveis reservatórios de virus como o da Covid-19, passam a se alimentar nas proximidades de ambientes urbanos quando seu hábitat natural é perturbado pela construção de estradas, extração de madeira e outras atividades humanas.
No início da pandemia, muito se especulou acerca dos potenciais impactos positivos da pandemia no meio ambiente, considerando o isolamento social e o período de quarentena. De fato, foi possível verificar uma redução nas emissões de gases do efeito estufa provenientes principalmente do setor de transporte: só em Madri, houve uma redução de cerca de 75% na emissão de dióxido de nitrogênio até abril de 2020. Já na China, foi possivel verificar uma redução de 25% em todo o montante de emissão de CO2 neste mesmo período, sendo possível verificar inclusive uma diminuição da poluição através de imagens de satélite (ex abaixo).
Outras notícias também ganharam as mídias sociais, voltadas principalmente para a invasão da vida selvagem em ambientes urbanos. Foi noticiado, por exemplo, que os canais de Veneza estariam tão limpos que golfinos e cisnes estariam de volta à essas águas. Tais notícias provaram ser fake news, uma vez que os golfinhos não retornaram aos canais de veneza e os cisnes nunca deixaram de frequentar o local.
Apesar dessas especulações, a realidade é bem diferente. Na prática, a pandemia já está sendo bastante prejudicial ao meio ambiente, a começar pelos resíduos hospitalares: Até abril, só na China houve um aumento de 400% no volume de lixo hospitalar gerado, que subio para 200 toneladas por dia. Estima-se que somente as embalagens dos materiais utilizados nos EUA até abril foram responsáveis pelo corte de mais de 1 bilhão de árvores. Para além disso, o descarte do lixo hospitalar, o qual inclui máscaras descartáveis e luvas, também está sendo feito de maneira incorreta ao redor do mundo, poluindo ainda mais rios e mares.
Para além dos impactos ambientais visíveis, a crise econômica causada pela pandemia também leva a um cenário bastante preocupante: para se recuperar da crise, grandes potências mundiais estão apelando para a queima de combustíveis fósseis para reativar a industria e assim aquecer a economia. Isso leva a um cenário assustador num futuro próximo, pois as mudanças climáticas já são uma ameaça real e a necessidade de se reduzir as emissões de gases do efeito estufa é urgente.
No Brasil, o cenário ainda é mais devastador, considerando que a base da recuperação econômica está pautada na expansão da agropecuária – que não só é a maior responsável pelo aumento do desmatamento florestal nacional, como também é a maior emissora de gases do efeito estufa no país.
Este cenário é especialmente preocupante quando relacionamos estes fatores ao surgimento de novas pandemias, conforme falamos no início do texto. Por exemplo, somente na região amazônica, a cada 1 km2 de floresta desmatada equivale a 27 novos casos de malária. O desmatamento na amazônia, juntamente ao avanço das mudanças climáticas, tendem a aumentar o surgimento de novas doenças e zoonoses nos próximos anos.
A boa notícia é que dá para a gente evitar que uma nova pandemia como a da COVID-19 aconteça novamente. Basta que haja investimento em programas que monitorem e reduzam a destruição das florestas tropicais e as atividades de tráfico de animais silvestres. Isso porque sai mais barato aplicar esse tipo de ação do que lidar com as consequencias de uma pandemia global. É necessário que haja investimento em pesquisas focadas na detecção e controle de vírus que tenham potencial pandêmico, programas de educação ambiental para sensibilizar a população sobre o tema e assim reduzir o desmatamento tropical e o consumo de animais silvestres como forma de alimento. Por fim, são necessárias medidas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa e mitigar os impactos das mudanças climáticas em ambientes naturais e urbanos.
Fontes:
https://www.preprints.org/manuscript/202004.0501/v1
https://www.nationalgeographicbrasil.com/ciencia/2020/06/pandemia-coronavirus-covid-19-prejudicial-meio-ambiente- mudancas-climaticas
https://science.sciencemag.org/content/369/6502/379.full
https://exame.com/brasil/sem-controlar-desmatamento-amazonia-pode-originar-novas-pandemias/
https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2020/09/28/como-as-mudancas-climaticas-afetam-as-pandemias