A versatilidade é uma característica de diretores talentosos. Eles conseguem passear por diversos gêneros e apresentar resultados extraordinários! Citarei dois exemplos.
O talentoso realizador norte-americano Martin Scorsese, que está em plena atividade desde o final da década de sessenta, tem uma vasta filmografia repleta de gêneros díspares. Ele já comoveu com o drama sensível “Alice Não Mora Mais Aqui” (1974) – o meu favorito do cineasta; aventurou-se no musical “New York, New York” (1977) com a Lisa Minnelli; retratou uma temática esportiva em “Touro Indomável” (1980); arrancou algumas risadas dos espectadores no drama cômico “O Rei da Comédia” (1983) com o Jerry Lewis; empregou humor sombrio no divertido “Depois de Horas” (1985); polemizou no drama épico “A Última Tentação de Cristo” (1988); retratou a máfia em “Os Bons Companheiros” (1990) e “O Irlandês”; transportou-nos no tempo com o drama de época ambientado no Século XIX intitulado “A Época da Inocência” (1993); divertiu a criançada e a família no belíssimo “A Invenção de Hugo Cabret” (2011); arrancou tensão e suspense com os assustadores “Cabo do Medo” (1991) e “Ilha do Medo” (2010); mostrou ação em “Gangues de Nova Iorque” (2002). Passeou, pois, por comédia, drama, suspense, infantil, ação e outros estilos com muita competência.
Outro diretor versátil que me chama atenção é o nonagenário Richard Donner! Do terror demoníaco “A Profecia” (1976), passou para o aclamado filme de super-herói “Superman” (1978) com o saudoso Christopher Reeve. Caminhou, em seguida, pela fantasia com “O Feitiço de Áquila” (1985) e, no mesmo ano, divertiu a família em “Os Goonies”. Enveredou, logo adiante, pelo gênero policial com a franquia “Máquina Mortífera” (1987-1998). Passeou, igualmente, pela comédia em “Os Fantasmas Contra-Atacam” (1988), pelo drama com “Radio Flyer” (1992) e pela ficção-científica em “Linha do Tempo” (2003).
Alguns realizadores, por outro lado, são conhecidos por adotar um estilo próprio com unicidade nos trabalhos. Alfred Hitchcock é o eterno Mestre do Suspense. George A. Romero era expert em zumbis. Quentin Tarantino é famoso por filmes violentos, repletos de sarcasmo e banhados de sangue. John Woo é o cara da ação (tiros, chutes, bombas e explosões)! Essas são as marcas desses renomados cineastas.
Há, contudo, outros diretores que, apesar da adoção de um estilo uno e bem característico, já saíram da linha. Aquela linha, diga-se, construída e solidificada por eles mesmos como a marca registrada de suas carreiras. Citarei, assim como fiz no início com os versáteis, dois exemplos.
David Lynch dirige uns filmes bem esquisitos – na melhor e mais elogiosa acepção do vocábulo. São criativos, imaginativos, misteriosos, surreais e darão, certamente, um nó na sua mente. Você, provavelmente, ficará tonto e angustiado em alguns (ou em vários) momentos da maioria das obras desse talentoso realizador de cabelos brancos assanhados! É o caso de “Eraserhead” (1977), “Veludo Azul” (1986), “Coração Selvagem” (1990), “A Estrada Perdida” (1997), “Cidade dos Sonhos” (2001) e “Império dos Sonhos” (2006). Todos excelentes e dentro do padrão ora relatado.
Na contramão de tudo o que já tinha feito até então, todavia, está o drama da Disney (sim, da Disney) “Uma História Real” (1999). Lynch, aqui, aparta-se da insanidade e dá lugar à lucidez em uma das mais belas poesias cinematográficas que já vi na vida! Trata-se de uma bela e verídica história sobre penitência, arrependimento, reconciliação e humanidade divinamente protagonizada pelo ator Richard Farnsworth no papel que lhe rendeu uma indicação ao disputadíssimo Oscar de 2000. Daria para imaginar que o mesmo realizador das obras citadas no parágrafo anterior poderia desenvolver algo assim?
O segundo diretor que quebrou seus próprios paradigmas foi o saudoso Wes Craven (1939-2015), o pai do Freddy Krueger. A indelével carreira dele foi solidificada pelo terror: “Aniversário Macabro” (1972), “Quadrilha de Sádicos” (1977), “Bênção Mortal” (1981), “O Monstro do Pântano” (1982), “A Hora do Pesadelo” (1984), “A Maldição de Samantha” (1986), “A Maldição dos Mortos-Vivos” (1988), “Shocker – 100.000 Volts de Terror” (1989), “As Criaturas Atrás das Paredes” (1991) e a franquia “Pânico” (1996-2000).
Em sentido diametralmente oposto, entrementes, foi o comovente “Música do Coração” (1999), protagonizado pela rainha das indicações ao Oscar, Meryl Streep – e aqui, como de costume, ela também foi nomeada! Craven, nessa ocasião, aposentou os assassinos, os monstros, os gritos e todo o restante de seu lado macabro, dando, pois, lugar à bela e motivadora história real de uma professora que desenvolve um projeto voltado ao ensino de música para crianças carentes em Nova Iorque. O sangue deu lugar ao violino!
Lynch e Craven desviaram de seus caminhos tradicionais, respectivamente, em “Uma História Real” e “Música do Coração”, ambos coincidentemente baseados em casos verídicos e lançados em 1999. Foram desvios exitosos! Conheçam um pouco mais desses fantásticos diretores e vejam como acertaram em obras totalmente alheias às suas naturezas cinematográficas. E que sirva de inspiração para você, caro leitor! Já pensou em se reinventar?!