História
Chegando em Lisboa, a capital de Portugal, leio em um cartaz ‘Seja bem vindo à Portugal, terra dos vinhos, do bacalhau e das melhores histórias’. Leio novamente não acreditando estar na Europa. Ao meu lado, uma mulher diz ‘Aquela rapariga ali me disse isso…’. Pensei em rir, algo que de fato fiz.
Entro na bicha, que segundo eles lá é tipo fila indiana. Normal para eles, estranho pra mim. Chamaram-me de puto, como se estivessem chamando um adolescente qualquer.
Para entrar na universidade, paga-se uma propina, uma taxa ou imposto, considerada normal, como uma matrícula. Enfim, estou abismado.
Fui tomar uma bica com um cacete ao estilo francês e biscoitos no chá da tarde. Encontro um grupo de canalhas brincando próximo ao restaurante em que eu estava comendo uma deliciosa punheta de bacalhau. Fiquei com uma grande ponta do prato, afinal, adoro uma degustação.
Lá, nas terras lusitanas, não enfresquei-me, mas bebi uns goles de vinho e de cerveja boa. Ajudei um invisual ao atravessar a rua e ajustar seu capachinho.
Fui obrigado a comparecer em um consultório de um estomatologista conhecido do bairro próximo ao Aeroporto. Conversei com o empregado de mesa sobre como é atender em Lisboa pessoas de todo o mundo e, depois da conversa, cantamos Boate Azul e Garçom. Percebi que uma rapariga próxima estava de histórias e não sentei-me perto.
Conheci fufas e paneleiros.
Esperei o ônibus na paragem e me deleitei com cantigas do local.
Tomei sumo de laranja, algo que foi maravilhoso.
Enfim, a viagem toda foi muito boa.”
Estigma
Apenas quando ouvimos falares singulares que percebemos o quão amplo a mesma língua pode ser. Após o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, na qual atingiu sua execução completa e definitiva em 2016, passando ao uso obrigatório, que houve uma padronização ortográfica do português.
Junto da padronização, encontra-se também, uma maior acentuação das diferenças, uma vez que, como nos faz pensar Marcos Bagno, um dos maiores pesquisadores em sociolinguística do país, em seu artigo Tarefas da Educação Linguística no Brasil: a padronização é uma tentativa de alterar e, muitas vezes, de findar as diferenças linguísticas, seja entre falantes (grupos e indivíduos), através da estigmatização de sua fala; seja entre países, onde aplica-se políticas de enobrecimento de povos, raças e pensamentos – como ocorreu no Brasil através da colonização portuguesa.
Como em seu livro Preconceito Linguístico, Bagno ainda indica que até no Brasil não há falares errados, e sim, diferentes. Devido aos diferentes fatores, como influências históricas, a ciclicidade da língua, a alteração pelos próprios falantes e a aglutinação de palavras de outras línguas, diferenciações regionais, de letramento e etc., podem fazer com que a mesma língua tenha modos diferentes de se falar, tornando-a algo muito mais pessoal e diretamente à um determinado grupo.
Em diversos livros, Bagno nos estimula a pensar nessa ideia. Em Não é errado falar assim, outro livro de Bagno, na qual ele estuda fenômenos incorporados na língua de todos os brasileiros “cultos”, mas que ainda são estigmatizados pelos entusiastas de uma língua pura. Podemos perceber com este livro e outros do mesmo autor, que é difícil um falante perpetuar uma língua pura, não havendo-a se este obter contato com outras línguas e pessoas.
Imagine só, como é interessante pensar assim?
Dicionário:
Rapariga: moça, garota
Bicha: fila, fila indiana
Puto: garoto, adolescente
Propina: Taxa, tarifa, imposto
Cacete: pão francês ou pãozinho
Canalhas: crianças
Punheta: prato típico de Portugal feito com bacalhau desfiado
Ponta: tesão, grande felicidade, grande prazer
Enfrescar-se: embebedar-se, embriagar-se
Invisual: cego, deficiente visual
Empregado de mesa: garçom
Estar de histórias: estar mestruada
Fufas: lésbicas
Paneleiros: homosseuxuais
Paragem: ponto de ônibus
Sumo: suco
Por Pedro Rosemberg