Para que dormir? Todos acordados! Dá mais tempo para trabalhar, para estudar, para fazer mais coisas, para comprar, para consumir.
Dormir, na modernidade, é sinal de fragilidade. Quem dorme muito, é taxado de fraco, pouco produtivo, não quer trabalhar, deprimente (por favor, não é verdade!).
O governo dos Estados Unidos tem estudado a atividade cerebral de aves migratórias para entender como um longo estado de vigília não os afeta, isto é, como conseguem ficar dias acordados sem nenhum problema fisiológico. Quem sabe, a partir dos resultados, possam diminuir ou até cessar a atividade do sono em humanos sem prejuízos neurológicos e comportamentais. Quem sabe desenvolver uma pílula que tomaríamos todos os dias para não dormir. Seria o fim do sono? Como Jonathan Crary escreveu em 24/7: Capitalismo tardio e os fins dos sonos. 24 horas, 7 dias por semana. O tempo todo acordado.
Nosso sono já está desaparecendo. O excesso de atividades, os pensamentos múltiplos, o medo, a preocupação, a ansiedade têm usurpado-nos muitas horas de sono, talvez todas. O uso excessivo das telas tem efeito comprovadamente danoso à qualidade do sono (dica: não use as telas a 1h30 do seu horário de dormir, muito menos as use durante a madrugada quando acordamos repentinamente). Nos adolescentes, ainda tem a contribuição natural para o desregramento do sono.
Em suma, uma vida agitada tem sido antídoto para o sono.
Multiplicam-se soluções químicas para noites maldormidas. De melatonina a opioides, passando por alguns antidepressivos. Dorme-se às custas de fármacos caros e com outros efeitos. É a artificialização e a capitalização do sono.
O sono é fundamental para descansar, mas também tem diversas outras importâncias. Durante o sono, genes são ativados e neurossubstâncias são liberadas; elas melhoram regiões poderosas como a da memória. Durante o sono, há uma significativa remoção de neurotoxinas adquiridas durante o dia, uma verdadeira faxina cerebral.
Sim! Dormir faz muito bem para a memória!
Sim! Dormir ajuda a higienizar o cérebro!
Mas o mundo gira alheio a essas necessidades. Há uma ditadura da vigília, uma ditadura do dormir-pouco. Se as coisas continuarem como estão, em breve, dormir será um ato de rebeldia.
Diante de tantas notícias sobre a importância do sono o que estamos fazemos para garanti-lo?