Sabe essa foto que o Hubble fez? Ela é conhecida como Campo Profundo do Hubble (do inglês, Hubble Deep Field). O telescópio espacial Hubble fez essa imagem olhando um pedaço bem pequenininho do céu na constelação de Ursa Maior. O tamanho dessa região é de 2,5 minutos de arco, é como se você estivesse vendo uma bola de tênis de 65mm a uma distância de cem metros. Isso é bem pequeno mesmo. O mais legal é que olhando nessa parte minúscula do céu vemos muita coisa e vemos muito longe no Universo. Temos algumas estrelas da nossa galáxia em primeiro plano, mas a maior parte dos objetos brilhantes que vemos são galáxias. Cada ponto brilhante é uma galáxia e cada galáxia tem bilhões de estrelas, estrelas como nosso Sol, estrelas maiores e também menores.
É muita coisa não é mesmo? E a gente nem está vendo o céu completo. Imagina conseguir ver o céu inteiro numa imagem de campo profundo desse tipo. Tem muita coisa no Universo, tanto que a gente sequer consegue quantificar na nossa mente o número de galáxias e estrelas que existem.
Não vemos tudo
Mas, e se eu te disser que toda essa matéria em forma de estrelas junto com o gás que existe nas galáxias são apenas 4% de toda matéria que existe no Universo? Tudo que a gente consegue ver através de imagens em diferentes comprimentos de onda como o rádio, infra-vermelho e raios-X, por exemplo, não chega nem a 5% de tudo que existe no Universo. É como se dos 100 ingredientes que formam o universo, apenas 4 deles são coisas que a gente conhece. São o que chamamos de matéria ordinária ou matéria bariônica. Matéria bariônica é tudo aquilo que é formado por bárions: os prótons, nêutrons e elétrons, além de gás, poeira, fótons e neutrinos.
Cadê o resto?
Bom, mas e o resto? Cadê o resto dos ingredientes? O que eles são? Em um post anterior, eu falei com vocês sobre a história do Universo e chegamos até o ponto em que falamos da sua composição. A maior parte do conteúdo material do Universo é escuro: energia e matéria escuras. Escuras porque não sabemos do que são constituídas, mas entendemos os efeitos que elas causam. Sabemos também a proporção em que devem existir: cerca de 70% de energia escura para fazer a expansão do Universo hoje ser acelerada e 26% de matéria escura para explicar como as “coisas” estão organizadas no Universo, ou seja, como e onde as galáxias estão aglomeradas.
Matéria Escura
A primeira evidência da existência da matéria escura veio a partir de estudos do astrônomo Fritz Zwicky, em 1933. Ao aplicar o teorema do virial para estudar o aglomerado de Coma, Zwicky deveria obter como resultado uma diminuição na velocidade de rotação das galáxias das partes mais externas do aglomerado em detrimento das galáxias mais centrais. Todavia, ele observou que as galáxias mais externas se moviam tão rápido quanto as centrais. Para que isso fosse possível, deveria existir mais matéria nas partes mais externas do que a matéria observada (matéria luminosa). Em outras palavras, toda matéria que emite luz: estrelas, gás e poeira, não é suficiente para explicar a velocidade de rotação das galáxias dentro do aglomerado. Deve existir uma matéria que não conseguimos ver mas que está ali fazendo as coisas se moverem mais rápido.
Vera Rubin, a rainha das galáxias
Outra importante evidência da existência de matéria escura veio a partir da contribuição de Vera Rubin, uma astrônoma estadunidense pioneira no estudo de curvas de rotação de galáxias espirais. A Vera Rubin junto com o colega Kent Ford, estudaram a galáxia de Andrômeda, nossa vizinha, e observaram que as estrelas mais externas da galáxias giravam tão rápido quanto as estrelas centrais. Isso ia contra as leis de Newton, assim como observado por Zwicky anteriormente. Portanto, a Vera Rubin comprovava a existência da matéria escura que, apesar de ser invisível, influenciava no movimento das estrelas devido a interação gravitacional.
Lentes gravitacionais
Desde então, sabemos que precisamos da matéria escura pra explicar essas e outras observações astronômicas. Outro exemplo é o efeito de lentes gravitacionais, que ocorre quando a luz é desviada ao passar por uma região muito massiva do espaço-tempo. Logo, se em um aglomerado de galáxias temos matéria escura além da matéria luminosa, a luz deve ser defletida ao passar por essa região e provocar o efeito de lenteamento: que pode ser desde imagens múltiplas até arcos gravitacionais (como mostra a figura 5 abaixo).
O aglomerado de Bala
Por fim, vamos falar um pouco sobre a melhor evidência de matéria escura que temos até hoje: o aglomerado de Bala (do inglês, Bullet Cluster). Esse aglomerado é, na verdade, o resultado da colisão de dois aglomerados de galáxias. Lembre-se que nos aglomerados de galáxias temos estrelas, gás e matéria escura.
Durante a colisão, as estrelas das galáxias observadas na faixa de luz visível não são afetadas pela colisão – apesar do aglomerado colidir, as estrelas são no máximo desviadas por efeitos gravitacionais. Olhando na faixa dos raios-X, conseguimos ver o gás quente que existe nos aglomerados. Os gases, por sua vez, interagem eletromagneticamente durante a colisão, de tal forma que se movem mais lentamente do que as estrelas. Finalmente, a componente de matéria escura é detectada indiretamente devido aos efeitos de lenteamento gravitacional dos objetos de fundo. Isso confirma e reforça o fato de que a matéria escura interage apenas gravitacionalmente.
Espero que o lado escuro tenha ficado mais claro para vocês. Nos encontramos no próximo post para falar sobre a energia escura.