Em meio ao aumento da notificação dos casos de contágio e óbitos decorrentes da pandemia de coronavírus há um crescente grau de medo, desnorteamento e preocupação na população em geral. Ocorre que ao pensarmos em termos de saúde mental pública, o principal impacto psicológico apontado até o momento está relacionado as taxas elevadas de estresse ou ansiedade. Contudo à medida que novas medidas e impactos são introduzidas – especialmente quarentena e seus efeitos nas atividades, rotinas ou meios de vida habituais de muitas pessoas -, também é esperado que aumentem os níveis de solidão, depressão, uso nocivo de álcool e drogas e auto-agressão ou comportamento suicida. É importante que atentemos para esse fato ao pensarmos o Brasil, pois já é possível identificar em vários relatórios em populações já fortemente afetadas, como a Lombardia na Itália, onde questões de acesso e continuidade a serviços de saúde mental já estão sendo desenvolvidos, pois essa é uma grande preocupação para o pós surto, juntamente porque após o impacto da primeira onda do COVID-19 espera-se que a saúde mental e o bem-estar dos trabalhadores da linha de frente e de todos os demais seja diretamente afetada o que prejudicaria a reorganização social. Como parte de sua resposta à saúde pública, a OMS trabalha com parceiros para desenvolver um conjunto de novos materiais sobre os aspectos de saúde mental e apoio psicossocial do COVID-19. Mas enquanto essa situação parece distante há um aspecto que já é reflexo desse nosso momento. O tédio. Ficar em casa tem elevado muito os relatos de tédio, mas podemos problematizar isso.
Você está entediado aí?
Sentir-se entediado significa estar entediado consigo mesmo. Você não suporta estar em sua própria presença e prefere se distrair. Simples. Aí reside a solução para o tédio, é tudo sobre a capacidade de se auto-regular. Então vamos dar chance a uma coisa que raramente podemos, louvar o ócio. Isso porque há benefícios importantes a sua saúde mental em uma sociedade, como a nossa, obcecada por produtividade. Nos últimos anos, psicólogos e líderes de negócios aprimoraram essa percepção.
Não é de hoje que vemos grandes empresas que necessitam de pensamento criativo mudar nossa perspectiva do que “preguiça” realmente significa, e se a ociosidade estratégica ou nossa inclinação para “ficar de boa” podem realmente ser ferramentas poderosas e grandes ativos mentais e econômicos. É relatado que Bill Gates disse: “Eu sempre escolho uma pessoa preguiçosa para fazer um trabalho duro, porque uma pessoa preguiçosa encontrará uma maneira fácil de fazer isso”. Isso porque diversas pesquisas mostram que nossos cérebros são conectados à preguiça. Para nossos ancestrais símios, a energia era um recurso precioso. Tivemos que economizar energia para competir por comida, fugir de predadores e lutar. Aprender a calcular os custos e benefícios calóricos de nossas ações foi fundamental para nossa sobrevivência e gastar energia com algo além de ganhos de curto prazo era arriscado. Então aprendemos a jogar pelo seguro e a seguir o caminho de menor resistência. Isso parece bem lógico. Não?
Várias influências em uma cultura centrada na produtividade ensinam às pessoas desde tenra idade que seu valor depende de quão industriosas nós somos, então nos esforçamos mais para produzir mais. Essa cultura viciada em trabalho é reforçada pelo fato de que, até 10 anos atrás, muitos estudos em psicologia enfatizavam o alto funcionamento executivo e a conquista de objetivos como traços essenciais para o sucesso e a felicidade. Enquanto isso, devaneios e divagações estavam correlacionados com a infelicidade. Mas as pesquisas atuais em psicologia e neurociência apontam para uma nova compreensão do valor de uma mente errante. Talvez nesta era de excesso de trabalho, nossa saúde e felicidade possam exigir espaço para uma ociosidade mais astuta. Então como podemos fazer isso?
Primeiro, vamos dar uma olhada no porquê da ociosidade ter sido tão estigmatizada.
“Mente vazia, oficina do diabo.” Será?
Durante séculos, muitos teólogos cristãos ridicularizaram a preguiça como pecado. A ociosidade foi declarada uma falha moral e sua cura estava no trabalho duro. No entanto, há outra razão pela qual tememos nossa própria mente ociosa como o diabo e suas raízes são psicológicas. Quando não nos ocupamos com alguma atividade, às vezes, encontramos nossas mentes nos levando a pensamentos desagradáveis ou “diabólicos” – arrependimentos, medos e dúvidas. Como veremos, porém, a própria rede neurológica responsável pela oficina do diabo é o mesmo lugar que pode armazenar a recompensa da imaginação.
Mas aqui está um verdadeiro paradoxo: quanto mais trabalhamos, menos produtivos somos e mais propensos a nos sentirmos preguiçosos de uma maneira doentia. Em uma pesquisa da Adobe, 80% das pessoas disseram que se sentiam pressionadas a serem produtivas, e não criativas, no trabalho – mesmo que aproximadamente esse mesmo número considerasse a criatividade importante para elas. Um estudo recente também revelou que muitos Millennials geralmente se sentem compelidos a fingir trabalhar duro. A Revolução Industrial se transformou na epidemia do digitalismo do trabalho.
Quando a demanda em nossas vidas se intensifica, tendemos a nos agachar e forçar mais, mas o problema é que, sem tempo de inatividade para atualizar e recarregar, somos menos eficientes, cometemos mais erros e nos envolvemos menos com o que estamos fazendo. Além disso, esse foco forçado e sustentado leva estrategicamente a atenção seletiva, o que pode prejudicar nossa capacidade de gerar novas soluções e ideias.
Apanhados demais no resultado final, negligenciamos a qualidade de nossa experiência enquanto trabalhamos e vivemos e, assim, privamos nossa vida de significado. Em meio a essa epidemia de excesso de trabalho durante a pandemia, por conta da produtividade exigida no HomeOffice, como podemos tornar nosso trabalho mais significativo e nossa vida mais gratificante? Talvez pudéssemos fazer com uma dose saudável de indolência e devaneios deliberados como um antídoto para a fadiga da eficiência.
O desafio da nossa era
Os estudos mostram que fazer pausas e permitir que sua mente divague pode ajudar seu cérebro a reter informações, se concentrar novamente, ganhar novas perspectivas e estabelecer novas conexões entre ideias. Um estudo da Universidade da Colúmbia Britânica mostra que a divagação, normalmente associada à preguiça e até à infelicidade, aumenta a atividade cerebral em áreas que que lidam com a solução de problemas complexos.
Outro estudo de Teresa Amabile, da Harvard Business School, relata que os trabalhadores geralmente são mais criativos em dias de baixa pressão do que em dias de alta pressão, quando são confrontados com uma enxurrada de demandas imprevisíveis. Basta pensar nos momentos eureka que ocorrem enquanto estamos envolvidos nas tarefas mais mundanas, seja tomando banho, viajando ou lavando a louça.
Aqui está o problema principal: quando finalmente chega a hora de levantarmos os pés, não sabemos como. Temos pouco treinamento em ociosidade. Tire os brinquedos e o smartphone de uma criança, diga-lhes para se divertirem, e elas ficarão perdidos. Mas pergunte a si mesmo: você se sairia muito melhor?
Então, na próxima semana, já que a quarentena segue, observe que esse “tempo de inatividade” e espaço em branco em sua agenda. Em vez de preencher os espaço com mais trabalho ou mais distrações digitais, dê um passo atrás, recline no sofá e fique de boa. O mundo está passando por uma crise e sua criatividade pode ajudar a todos nós em minimizar os impactos dela no futuro. Pense nisso.