Em mais uma sentença de primeira instância foi reconhecido o vínculo trabalhista entre o aplicativo de serviço de entrega e o motoboy. Desta vez foi com a empresa Loggi que na decisão de primeiro grau a 8ª Vara do Trabalho de São Paulo determinou que a empresa contrate todos os motoboys cadastros no país no regime da CLT. Da decisão ainda cabe recurso para o TRT.
Esta não é a primeira decisão neste sentido. Outras Varas do Trabalho brasileiras e alguns TRTs já decidiram no mesmo sentido.
Afinal de contas: existe ou não relação de trabalho no mercado da “uberização”?
Para responder a esta pergunta precisamos buscar os conceitos básicos de relação de trabalho e relação de emprego trazidos pela própria CLT. Para Maurício Godinho Delgado relação de trabalho é “toda relação jurídica caracterizada por ter sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano”. Assim, a relação de trabalho corresponde a toda e qualquer forma de contratação da energia de trabalho humano que seja admissível pela norma vigente.
Existem diversas modalidades de relação de trabalho, mas vamos nos concentrar aqui em duas delas: relação de emprego e trabalho autônomo.
Relação de trabalho e relação de emprego se diferenciam. A relação de trabalho é gênero (alcançando toda modalidade de trabalho humano), ao passo que a relação de emprego (relação de trabalho subordinado) é espécie. Por este motivo, toda relação de emprego é relação de trabalho, mas nem toda relação de trabalho é relação de emprego. Relação de emprego é o vínculo de trabalho humano sob subordinação de um empregador.
Para que a relação de emprego seja caracterizada é importante a presença dos seguintes requisitos previstos no art. 3º, da CLT:
- Trabalho prestado por pessoa física: só a pessoa natural pode ser empregada, do que decorre que pessoa jurídica não será, em nenhuma hipótese, empregada. Pode até ser contratada para prestar serviços a outra empresa ou mesmo a uma pessoa física, mas este serviço será prestado por humanos que laboram em nome da empresa contratada.
- Pessoalidade: o empregador contrata o empregado para que este lhe preste serviços pessoalmente, sendo vedado ao empregado se fazer substituir por outro, exceto em caráter esporádico, e ainda assim em aquiescência do empregador.
- Não eventualidade ou permanência ou habitualidade: o trabalhador eventual é aquele que trabalha de forma repetida, nas atividades permanentes do tomador, e a este fixado juridicamente.
- Elementos caracterizadores da não eventualidade
- Trabalha de forma repetida: a não eventualidade pressupõe repetição do serviço, com previsão de repetibilidade futura. Isso quer dizer que o empregado não precisa trabalhar eventualmente (todos os dias), mas deve a atividade se repetir naturalmente junto ao tomador dos serviços para que possa ser considerada não eventual.
- Nas atividades permanentes do tomador: ainda que o trabalho se dê por curto período determinado, será não eventual se ocorrer em atividade que possui caráter permanente na dinâmica da empresa.
- Fixado juridicamente: o trabalhador labora para um empregador que manipula sua energia de trabalho, ocorrendo, então, a fixação jurídica do trabalhador ao empregador. Estabelece-se entre trabalhador e tomador um compromisso consubstanciado no contrato de trabalho. Esta fixação jurídica ocorre sempre que este não entrega sua energia de trabalho ao tomador dos serviços.
- Elementos caracterizadores da não eventualidade
- Onerosidade: se de um lado a obrigação principal do empregado é fornecer sua força de trabalho, do outro a obrigação principal do empregador é remunerar o empregado pelos serviços prestados. Assim, a relação de emprego pressupõe a onerosidade da prestação, sob a forma de remuneração pelos serviços. Quando não presente, haverá uma relação de trabalho: a voluntária. O não recebimento de salários por mora ou inadimplemento do empregador não descaracteriza o caráter oneroso do ajuste, pois estará presente a intenção econômica ou onerosa. Da mesma forma, não resta qualquer dúvida de que um trabalhador reduzido à condição análoga à de escravo e que não tenha recebido salários também presta serviços de natureza onerosa.
- Subordinação: Constitui o grande elemento diferenciador entre a relação de emprego e as demais relações de trabalho. A subordinação existente entre empregado e empregador é jurídica, tendo em vista que decorre
do contrato de trabalho estabelecido entre ambos e a sua contraposição é a autonomia.
- Quem é subordinado não trabalha por conta própria.
- A submissão a horário e o controle direito do cumprimento de ordens não sejam imprescindíveis ao reconhecimento da subordinação, é importante mencionar que tais fatos não deixam de representar indícios fortes da existência de subordinação jurídica, o que muitas vezes será fundamental para identificar a existência de relação de emprego. Com efeito, a submissão a controle de horário, o recebimento de ordens pelo empregado e a direção do empregador quanto ao modo de produção configuram indícios relevantes para a caracterização da subordinação.
- Dimensões da subordinação
- Clássica: ordens diretas do tomador ao trabalhador.
- Objetiva: o trabalhador se integra aos fins e objetivos do empreendimento.
- Estrutural: o trabalhador se insere na dinâmica (estrutura) do tomador de serviços.
- Alteridade: significa que o empregado trabalha por conta alheia, o que implica que ele não corre o risco do negócio. Se não houver alteridade, haverá autonomia, e, logo, mera relação de trabalho.
Já o trabalho autônomo conceitua-se legalmente como sendo a “pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não” (art. 12, V, h, da Lei 8.212/1991). É a modalidade de relação de trabalho em que não há subordinação jurídica entre o trabalhador e o tomador de seus serviços. Em geral, o tomador autônomo presta serviços com profissionalismo e habitualidade, porem se ativa por conta própria, assumindo o risco da atividade desenvolvida.
Feitas estas considerações podemos defender a tese de que NÃO HÁ VÍNCULO EMPREGATÍCIO nem no mercado no mercado da “uberização”. O TST já decidiu em dois processos distintos no mesmo sentindo.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA – DESCABIMENTO. RITO SUMARÍSSIMO. VÍNCULO DE EMPREGO. CONFIGURAÇÃO. A teor do art. 896, § 9º, da CLT, nas decisões apreciadas sob o rito sumaríssimo, o conhecimento do recurso de revista está limitado à contrariedade a súmula do TST ou a súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal e à violação direta à Constituição Federal. Interposto à deriva dos requisitos ali traçados, não merece processamento o recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e desprovido” (AIRR-10771-28.2018.5.03.0186, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 22/11/2019).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. MOTORISTA APLICATIVO CABIFY. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. O Tribunal Regional consignou que havia enorme autonomia na prestação de serviços do reclamante, incompatível com a existência de vínculo de emprego, concluindo que o recorrente não estava sujeito a um efetivo poder diretivo exercido pela reclamada, desempenhando suas atividades com autonomia e conforme sua conveniência. Decidir de maneira diversa encontra óbice na Súmula nº 126/TST. Assim, ilesos os arts. 2º, 3º e 818 da CLT. Agravo de instrumento conhecido e não provido ” (AIRR-1002011-63.2017.5.02.0048, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 25/10/2019).
Os contratos existentes no mercado da “uberização” dizem respeito a contratos semelhantes aos contratos de franquia, nos quais a pessoa física que deseja empreender por conta própria cadastra-se em uma empresa de venda direta com a contraprestação em favor da empresa de royalties pelo direito de vender os produtos no seu território de atuação. O que o diferencia da venda direta é que aqui não há oferta de produtos, mas sim de serviços.
No mercado da “uberização” haverá a subordinação da empresa para com o vendedor ou prestador do serviço. Semelhante no que ocorre nos contratos de franquia, haverá regras de conduta mínimas exigidas pelas empresas para que haja respeito à sua marca e seus valores que está sendo franqueada.
Observe que prestadores de serviços fazem seu próprio horário, estabelecem suas próprias metas, gere seu próprio negócio sem qualquer interferência da empresa neste plano de atuação.
Logo, se você está pensando em empreender e abrir sua startup que atue neste mercado, fique atento quanto à insegurança jurídica das decisões judiciais da Justiça do Trabalho. Apesar das decisões acima destacadas, o TST ainda não se aprofundou no tema. Logo, não deixe de contratar um bom advogado(a) especialista em compliance para que não tenha problemas jurídicos.