Em 30 de janeiro de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que a nova epidemia de pneumonia causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2) foi classificada como uma emergência de saúde pública de interesse internacional, denominada doença COVID-19 (do inglês Coronavirus Disease 2019, sendo 2019 o ano em que a mesma foi identificada). Hoje, dia 10 de abril de 2020, os dados oficiais da OMS estimam que ao menos 1.587.209 pessoas estejam infectadas com o SARS-CoV-2 e 94.850 faleceram decorrentes da sua contaminação [1]. No Brasil os últimos números declarados pelo Ministério da Saúde são de 17.857 pessoas infectadas e 941 mortas [2], mas há uma lacuna de conhecimentos que precisa ser tratada com uma atenção que até o
momento não foi pauta de preocupação da maior parte da mídia: a situação das populações negra, indígena ou outras denominações de etnia – quilombolas, ciganos, …
Esse fato destaca fraturas sociais e políticas nas comunidades, com respostas racializadas e discriminatórias ao medo, afetando desproporcionalmente grupos marginalizados. Isso inclui atos individuais de micro agressão ou violência, e formas coletivas [3]. Além de analisarmos a sua capacidade de afetar qualquer pessoa, as respostas políticas a COVID-19 precisam estar atentas a como essa pandemia afetará desproporcionalmente pessoas que estão representadas em grupos socioeconômicos mais baixos, que, normalmente, têm acesso limitado a serviços de saúde ou trabalham em empregos precários. Isto é especialmente
verdade em ambientes com poucos recursos e que carecem de formas de proteção social onde o auto-isolamento muitas vezes não é possível, levando a um maior risco de propagação viral.
As comunidades mais carentes já experimentam um acesso precário aos cuidados de saúde, taxas significativamente mais altas de doenças transmissíveis e não transmissíveis, falta de acesso a serviços essenciais, saneamento e outras medidas preventivas importantes, como água potável, sabão, desinfetante, etc. Da mesma forma, a maioria das instalações médicas locais, se e quando existem, geralmente estão mal equipadas e com pouco pessoal. Mesmo quando essas pessoas conseguem acessar os serviços de saúde, eles podem enfrentar estigma e discriminação. Um fator chave é aqui é garantir que esses serviços e instalações sejam fornecidos de forma apropriada à situação específica desses grupos. E há uma iniciativa da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial que, além de divulgar em suas redes sociais informações sobre prevenção, publicou vídeos e materiais específicos com recomendações para a população indígena, povos ciganos e quilombolas [4].
A história indica que esses grupos podem ser particularmente afetados pela pandemia do COVID-19. Durante a pandemia de influenza H1N1 de 2009, por exemplo, sua taxa de mortalidade foi 4,5 vezes maior do que na população geral do Brasil [5]. E por isso, para rastrear fontes de infecção e proteger essas pessoas vulneráveis, precisamos que os dados do COVID-19 sejam desagregados por etnia. Essa estratégia é fundamental para o traçado de estratégias públicas uma vez que como disseram as pesquisadoras Amália Nascimento do SacramentoIe Enilda Rosendo do Nascimento:
“As análises de questões atinentes à saúde da população brasileira têm sido enriquecidas nos últimos anos pelo crescente aporte de informações sobre a identificação racial ou da cor permitindo, inclusive, que diferentes perfis epidemiológicos sejam estabelecidos.” (SACRAMENTO; NASCIMENTO, 2011) [6]
Nesse momento é possível identificar diversas sociedades civis solicitando que o governo informe a raça e o gênero das pessoas infectadas e das pessoas mortas em decorrência do SARS-CoV-2, mas ainda não há informações oficiais sobre isso e um dos motivos é que a invisibilidade de grupos minoritários segue sendo norma para a preocupação epidemiológica e isso é decorrente do racismo institucional.
Como a raça e o racismo afetam a saúde?
Diversos estudos mostram que o impacto da raça na saúde decorre em grande parte das diferenças no acesso a recursos e oportunidades que podem prejudicar ou melhorar a saúde. Além disso, os pesquisadores descobriram que a discriminação racial e étnica pode afetar negativamente a saúde ao longo da vida e das gerações. Nos Estados Unidos da América (EUA) a COVID-19 pode afetar qualquer pessoa, mas pessoas negras estão morrendo em números desproporcionais, especialmente em certas grandes cidades [7]. E uma das razões para isso é que os negros não confiam que seus profissionais de saúde ajam em seus melhores interesses [8].
A comunidade médica deve se preocupar com esse sentimento coletivo de desconfiança dos negros à medicina, pois é um fator importante nas disparidades de saúde bem documentadas entre brancos e outros grupos etnícos. Pesquisas mostraram que pessoas de outras etnias no Brasil têm muito menos probabilidade de relatar confiança em seus médicos e hospitais porque ao serem atendidos tendem a relatar que os mesmos não foram bem acolhidos em suas queixas; portanto, é menos provável que busquem tratamento ou que aceitem os planos de tratamento recomendados [9].
Por fim… Gostaria de deixar uma reflexão
Quando essas análises são somadas o que podemos esperar que aconteçam em nossas favelas e comunidades indigenas? Uma continuação da invisibilização dessas realidades perpetuará o etnicídio apontado a tanto tempo por integrantes desses grupos.
Referências:
1 – ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Rolling updates on coronavirus disease (COVID-19). Disponível em:< https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/events-as-they-happen > Acesso em: 09/04/2020
2 – MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL. Disponível em:< https://covid.saude.gov.br/ > Acesso em: 09/04/2020
3 – CHUNG, Roger Yat-Nork; LI, Minnie Ming. Anti-Chinese sentiment during the 2019-nCoV outbreak. The Lancet, v. 395, n. 10225, p. 686-687, 2020.
4 – MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL. Ações de prevenção ao coronavirus
para povos e comunidades tradicionais. Disponível em:< https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/marco/ministerio-divulga-acoes-de-prevencao-ao-coronavirus-para-povos-e-comunidades-tradicionais > Acesso em: 09/04/2020
5 – LA RUCHE, Guy et al. The 2009 pandemic H1N1 influenza and indigenous populations of the Americas and the Pacific. Eurosurveillance, v. 14, n. 42, p. 19366, 2009.
6 – SACRAMENTO, Amália Nascimento do; NASCIMENTO, Enilda Rosendo do. Racismo e saúde: representações sociais de mulheres e profissionais sobre o quesito cor/raça. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 45, n. 5, p. 1142-1149, 2011.
7 – EVELYN, K. ‘It’s a racial justice issue’: Black Americans are dying in greater numbers from Covid-19
Disponível em:< https://www.theguardian.com/world/2020/apr/08/its-a-racial-justice-issue-black-americans-are-dying-in-
greater-numbers-from-covid-19 > Acesso em: 09/04/2020
8 – WILLIAMS, J. C. Black Americans don’t trust our healthcare system — here’s why
Disponível em:< https://thehill.com/blogs/pundits-blog/healthcare/347780-black-americans-dont-have-trust-in-our-healthcare-system > Acesso em: 09/04/2020
9 – CAPELO, R. Por que o negro tem menos acesso à saúde do que o branco no Brasil?
Apesar de algumas ações do governo, dados mostram que o sistema público de saúde continua a discriminar a população negra. Disponível em:< https://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/06/por-que-o-negro-tem-menos-acesso-saude-do-que-o-branco-no-brasil.html > Acesso em: 09/04/2020
10 – Morena Mariah @morenamariah Disponível em: <https://twitter.com/morenamariah/status/1248019663352549376 > Acesso em: 09/04/2020