Ano passado uma equipe de cientistas avaliou a honestidade ao redor do mundo. Para isso, eles “perderam” mais de 17.000 carteiras em 40 países do mundo (incluindo o Brasil), sempre na recepção de diferentes locais públicos, como bancos, prefeituras e correios. Depois um assistente da equipe “encontrava” a carteira, levava até a recepção do local e dizia que estava na correria, mas se a pessoa podia procurar o dono. As carteiras tinham ou nenhum dinheiro ou pouco mais de R$50, sempre na moeda de cada país. Também tinha um cartão de identificação com o nome e email do dono, na língua do país em estudo. Adivinha o que aconteceu?
Contrariando todas as expectativas, as carteiras que tinham dinheiro foram as mais devolvidas! De maneira geral, 40% das carteiras vazias e 51% das com dinheiro retornaram aos seus donos. Os resultados variaram bastante entre países, com retornos maiores na Suíça, Noruega e Holanda. China, Marrocos e Peru lideram os países que não devolveram. E o Brasil devolveu cerca de 35% das carteiras vazias e 50% das com dinheirinho.
Aí a equipe de cientistas ficou pensando: será que a carteira só foi devolvida por ter pouca grana? Então fizeram outro experimento envolvendo mais dinheiro, mas só em 3 países. O experimento foi igual, mas eles também incluíram carteiras com R$350. Adivinha de novo o que aconteceu? As carteiras com mais dinheiro foram mais devolvidas – 72% das com R$350, 61% das com R$50 e 46% das carteiras vazias retornaram! Eles também conduziram um experimento similar, mas ao invés de ter dinheiro só tinha uma chave – que é algo que tem valor para o dono, mas não para outra pessoa. E o resultado foi similar: as carteiras que tinham a chave eram mais devolvidas que as que estavam vazias!
Isso mostra que nós tendemos a devolver algo conforme o valor que isso possa ter para a outra pessoa, não para nós mesmos.
Para entender melhor os resultados, os cientistas conduziram diversos questionários com pessoas não envolvidas no experimento. E eles descobriram que se ficamos com um dinheiro que sabemos que não é nosso, nos sentimos roubando, o que gera um sentimento negativo sobre nós mesmos (para a maioria das pessoas pelo menos).
Até que a gente é legal de vez em quando, né?
Ah, só um adendo – os cientistas chineses não gostaram nada dessa pesquisa, porque acharam que foi conduzida de maneira errada. Na China, se uma pessoa vê uma carteira perdida na rua ela tende a não mexer, por entender que a pessoa vai voltar para procurar. Se ela pegar, geralmente vai ser para levar até um “achados e perdidos”. Culturalmente, o chinês tende a não abrir a carteira de outra pessoa para procurar a identificação, por considerar desrespeitoso. É por essas e por outras que é legal termos equipes multiculturais em uma pesquisa, assim evitamos esse tipo de erro por pura falta de conhecimento.
Quer ler a pesquisa original? Civic honesty around the globe (Cohn et al.). Science. 2019.