Ônibus no DF, mesmo os novos, não têm equipamento para auxiliar deficientes visuais
Zozimeire dos Santos, 50 anos, é deficiente visual desde que nasceu e só enxerga vultos, sem muita definição. Ela enfrenta diariamente as dificuldades de andar na capital sozinha e na maioria das vezes depende da boa vontade dos outros para ajudá-la. “A situação é difícil, mas a gente também não pode ficar em casa esperando as coisas acontecerem”, declara.
Moradora de São Sebastião, precisa do transporte público para ir à faculdade, frequentar a Biblioteca Braille em Taguatinga e fazer alguns atendimentos de massoterapia. Até hoje, nunca encontrou nenhum ônibus com sistema de acessibilidade para cegos.
“A maior dificuldade da gente em pegar um ônibus é que as pessoas não querem ajudar. Eu chego à parada, peço para alguém me avisar quando chegar meu ônibus, mas se o ônibus delas vêm me mandam pedir ajuda para outros, e quando não tem ninguém na parada, tenho que parar todos os ônibus. Outras vezes, os próprios cobradores não sabem o endereço e não podem me ajudar”, desabafa Zozimeire.
A norma 14.022/2005, da Secretaria Especial das Pessoas com Deficiência, estabelece parâmetros de acessibilidade no transporte público. As especificações buscam atender aqueles que apresentam alguma deficiência, seja física, auditiva, visual, mental ou múltipla.
No caso dos deficientes visuais, a norma exige que os ônibus tenham dispositivos de sinalização e comunicação, tecnologias ou equipamentos projetados para transmitir as informações aos usuários por meio sonoro. A norma não determina o modelo ou formato do equipamento, mas deixa claro que o objetivo é garantir aos passageiros segurança e autonomia.
Fabiana Arruda, 43, professora e pesquisadora em mobilidade urbana na Universidade de Brasília (UnB), explica que são necessários dois sistemas de informação, um interno e outro externo. O primeiro para informar dentro dos ônibus, e o outro para integrar as paradas e terminais da cidade com o transporte em circulação.
A realidade do transporte público no Distrito Federal está longe disso. Pois até hoje, 13 anos depois da primeira norma regulatória sobre acessibilidade no transporte público, nem os novos ônibus da capital têm esse sistema de comunicação para deficientes visuais e o que tem de acessibilidade para os cegos é o piso tátil.
De acordo com Davino Cavalcante, 57, diretor da Cootarde, uma das empresas de ônibus com frota mais nova, o sistema será implantado. O empecilho é a verba para custear o aparelho, pois o sistema não vem na compra. “Estamos buscando recursos financeiros para instalar o mais rápido possível”, diz Cavalcante.
Os novos ônibus da Cootarde estão circulando em Taguatinga, Ceilândia, Núcleo Bandeirante, Candangolândia, Brazlândia, Santa Maria e Gama. Eles precisam ser adaptados com os sistemas de tecnologia embarcada, como o GPS, alarmes e controladores de tração, todos integrados por meio de chip. “Até que o sistema seja implantado, o cobrador ou acompanhante é quem auxilia os deficientes visuais”, informa Cavalcante.
Outra empresa que tem frota nova circulando no Plano Piloto e não apresenta acessibilidade para deficientes visuais é a Piracicabana. Procurada, a empresa não se pronunciou até o fechamento desta matéria.
De acordo com Leo Carlos Cruz, 55, diretor-geral do DFTrans — órgão do GDF que cuida do transporte público —, não existe uma tecnologia desenvolvida amplamente em linha de produção para ser implementada. “A comunicação interna para os ônibus é mais viável que a das paradas”, afirma Cruz.
Assim como Zozimeire, o seu amigo José Aurélio Araponga, 51, que perdeu a visão há sete anos, reclama. “Nenhum ônibus em Brasília tem esse tipo de acessibilidade, nunca andei em algum que tivesse esse sistema sonoro de aviso sobre o trajeto”.
Araponga já enfrentou vários contratempos com o transporte público. Alguns aconteceram por distração do motorista, que passou da parada e esqueceu de informá-lo sobre o local certo a descer. Outro episódio recorrente é resultado da má vontade dos motoristas, que acabam parando longe do ponto de ônibus.
Perguntado sobre a importância desse sistema sonoro ele afirma: “Seria bem mais fácil para nós, porque passaríamos a depender menos das pessoas, principalmente na hora de parar o ônibus e pedir para descer na parada certa. Isso viabilizaria ainda mais a vida da pessoa com deficiência visual”.
Com determinação e um certo pesar, Zozimeire fala sobre a transgressão dos direitos dos deficientes visuais. “A gente tem que correr atrás, lutar pelos nossos direitos, apesar que a gente não tem visto muito direito acontecer na nossa vida”. Na semana passada, ela embarcou em um coletivo para ir à W3 Sul, e o motorista parou duas quadras depois do ponto, o que a deixou completamente perdida. O jeito foi pedir ajuda às pessoas que passavam por ali. Todo esse mal-estar poderia ser evitado se o transporte público oferecesse essa comunicação direta com o usuário. “Para nós seria melhor”.