A peste negra foi a pandemia mais fatal da história humana, causando a morte de 75 a 200 milhões de pessoas na Europa, Ásia e norte da África. 200 MILHÕES!!! Na época, parecia que ninguém conseguia escapar da doença que se espalhou rapidamente e afetou todas as classes sociais. Mas o impacto da doença não foi o mesmo entre ricos e pobres.
Quando a peste negra chegou na Europa, as coisas já não estavam muito boas. O clima estava mudando em um resfriamento global, que afetou o plantio de alimentos e causou a “grande fome”, que matou e enfraqueceu muita gente. Em 1290, cerca de 70% dos Britânicos estavam vivendo abaixo da linha da pobreza, ou seja, sem dinheiro para comer ou se manter aquecidos. E esses foram as principais vítimas da peste negra – 40% a 70% dos mais pobres morreram, enquanto no grupo mais rico a taxa foi de 27%.
E isso se repete em outras pandemias. Por exemplo, quando os Ingleses colonizaram a América do Norte, eles contaminavam as tribos com varíola (propositalmente) e depois queimavam as comunidades indígenas, obrigando os índios a irem até outras comunidades em busca de ajuda, e consequentemente contaminando-os também. Comunidades que tiveram contato com o vírus, mas que não passaram diretamente pelo estresse de ter suas terras invadidas, se reergueram rapidamente. Mas quem passou perdeu sua terra, teve que lidar com fome e menos acesso a água potável, o que associado ao fato que esses povos nunca tinham tido contato com o vírus da varíola, teve um efeito devastador.
A colonização norte-americana forçou muitos indígenas a se mudar para regiões isoladas, com menos fontes de alimentos tradicionais ou atendimento médico. E quando a gripe espanhola chegou, ela matou 4 vezes mais indígenas do que o resto da população americana, o que esta ligado a situações de pobreza, saúde deteriorada e mal-nutrição.
A gripe espanhola também afetou outros grupos vulneráveis, com taxas de mortalidade até 50% mais altas do que entre os grupos mais ricos da sociedade, especialmente porque já possuíam condições pre-existentes que deixava seus corpos mais fracos. Além disso, o racismo também afetou essas taxas, uma vez que os hospitais atendiam apenas brancos ou apenas negros, sendo que os últimos recebiam menos recursos e estavam sempre mais lotados.
Com a COVID-19, não tem sido diferente. Hoje, a Nação Navajo (o maior território indígena dos EUA) tem a maior taxa de infecção da doença per capita do país, superando até mesmo Nova York. E isso é um reflexo da pobreza das comunidades que vivem por lá – quase 40% das famílias não tem água potável em casa e vivem em casas super lotadas e muito pobres. Para piorar, o índice de diabetes deles é 4 vezes maior que do resto do país, o que está associado a alimentos de baixa qualidade devido a pobreza extrema.
Em Washington, 45% dos casos de COVID-19 são de pessoas Negras – porém 79% das mortes são do mesmo grupo. Em Iowa, Latinos são 20% dos pacientes – mas eles são apenas 6% da população. Em Nova York, pessoas latinas e negras tem morrido duas vezes mais do que brancos pela COVID-19. Os casos ocorrem principalmente nas regiões mais pobres, onde as pessoas vivem agrupadas em pequenos apartamentos e não podem trabalhar de casa em home office.
No Brasil já vemos um processo similar. Muitas favelas sofrem com falta de água corrente, sistema de esgoto ou postos de saúde. A maioria das casas vivem com muitas pessoas agrupadas e as condições de saúde dos moradores já não são boas. Para comparação: enquanto no bairro rico do Leblon (Rio de Janeiro) a taxa de mortalidade por COVID é de 2.4%, em Brasilândia (um dos bairros mais pobres de São Paulo), a taxa é de 52%.
Pessoas ricas de cidades cujos sistemas de saúde já colapsaram, como Belém e Manaus, fretam voos com UTIs aéreas para São Paulo e Brasília. Enquanto isso, as taxas de mortes entre os mais pobres só aumenta. A desigualdade social transforma qualquer pandemia, selecionando quem morre e quem vive. Parafraseando Leonardo Sakamoto, o vírus é democrático, mas o país não.
Fontes:
– An unequal blow (Wade, 2020). Science.
– Coronavírus: Brasil mostra que é projetado para matar pobre em pandemia (Sakamoto, 2020). Uol.