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Você já imaginou se existisse um fígado ou um intestino humano menor que a cabeça de uma formiga? Pois é… parece que já existe. Uma empresa alemã (TISSUSE) inventou (e começou a vender) placas de vidro super adaptadas pra se colocar nelas mini-órgãos. Eles chamaram esse sistema de “mini-órgãos em um chip”. Nesses “chips”, dá pra criar vários órgãos diferentes e também dá pra simular o sangue circulando, porque tem como adaptar bombas (também pequenininhas) que vão bombear e sugar líquidos pelos espaços do “chip”. Pra montar um órgão, é só colocar as células que fazem parte dele (várias células juntas fazem um tecido e/ou um órgão) em 3D (várias camadas) nas placas e deixar elas se adaptarem um tempo.
E só eles que usam isso? Nãaao! Quando um cientista inventa alguma coisa, os outros logo vão lá e tentam usar aquela informação pra inventar algo melhor (sem copiar ninguém tá?) ou pra entender como funcionam as coisas que ninguém entende ainda. Então uma galera brasileira, que trabalha no centro de Pesquisas em Energia e Materiais em Campinas (SP), resolveu usar um desses “chips”, com espaço pra produzir até dois mini-órgãos (que se comunicam entre eles, que nem no corpo humano) e estudar como um medicamento que a gente usa a beça, o paracetamol, ia se deslocar dentro desse sistema e afetar um mini-intestino e um mini-fígado (quem quiser pode ler o artigo original aqui).
Eles escolheram o paracetamol porque tem um monte de informações disponíveis sobre ele, como ele passa pelo intestino até chegar no sangue (absorção) e como ele é transformado (metabolismo), no fígado, em outras substâncias. Além disso, também já se sabe que em quantidades muito grandes, ele faz mal pro fígado. Sabendo todas essas coisas, ficaria mais fácil comparar os resultados nos mini-órgãos com os órgãos de verdade. Já a escolha dos órgãos – intestino e fígado – foi porque eles são os mais importantes pra determinar quanto de uma substância (que foi introduzida pela via oral no organismo) vai chegar no sangue e como ela vai ser transformada em outras.
Eles deixaram o paracetamol circulando durante um tempo nesse mini sistema, foram analisando as quantidades de paracetamol que entravam e saíam de cada mini-órgão conforme o tempo passava e, no final, ainda pegaram os mini-órgãos, cortaram e olharam no microscópio, pra ver se eles estavam tão saudáveis quanto estavam no início do estudo.
E o que eles descobriram?
Eles conseguiram observar que o paracetamol não prejudicou as células dos mini-órgãos. Só quando o tratamento era muito longo ou quando a quantidade de paracetamol era muito grande. Aí formou, igualzinho no fígado normal, muita quantidade de uma substância super ruim pro fígado (a N-acetil-p-benzoquinona imina). O nosso fígado até produz outras substâncias que protegem dessa imina aí, mas quando a quantidade dela fica muito, muito alta, aí não tem jeito, as células do fígado acabam morrendo.
Também foi possível ver que o paracetamol atravessou o mini-intestino, chegou no mini-fígado pela “circulação” e aí foi transformado em várias substâncias (três). Tudo igualzinho acontece no corpo humano. Mas não teve nenhuma diferença? Teve.
As principais diferenças foram duas:
- Tudo foi mais lento nos mini órgãos do que geralmente é nos órgão reais;
- A quantidade de paracetamol no sistema nunca chegou a zero. No nosso corpo, se nós paramos de tomar novas doses de um medicamento, uma hora ele é totalmente eliminado. Mas no sistema de mini-órgãos que eles usaram, não existia um mini-rim pra fazer essa função de eliminar. Isso é igual ao que acontece em pessoas com insuficiência renal, ou seja, que não tem um (ou os dois) rins funcionando bem.
E o que dá pra fazer a partir disso tudo?
É claro que essas descobertas superinteressantes com mini-órgãos não servem só pra ficar estudando substâncias como o paracetamol. Porque, afinal de contas, a gente já sabe muito sobre ele, com todos os anos que ele é utilizado pra febre e dor de cabeça. Fazer essa pesquisa usando o paracetamol serviu pra avaliar como os mini-órgãos se comportam. Se eles funcionam ou não de um jeito parecido ao dos órgãos de verdade. Agora que esses pesquisadores (e outros grupos com outros estudos) viram que sim, é possível pensar em algumas utilidades legais pra esses sistemas.
Umas dessas possíveis utilidades é testar novas substâncias antes de usar elas como medicamentos em pessoas. Hoje, quando a gente precisa testar uma substância nova, a gente testa primeiro em animais. Só que fazer testes em animais é caro (tem que criar e alimentar os bichinhos um tempão), super trabalhoso e nem sempre os resultados são compatíveis com o que vai acontecer no ser humano. Afinal de contas, os animais são diferentes de nós e o funcionamento do corpo deles também. Além disso, existem várias questões éticas no uso dos animais na ciência, e essas questões estão cada dia mais em evidência. Até já tentaram usar culturas de células humanas pra isso, mas uma camada de células em uma placa não mostrava o comportamento de todo o sistema, com vários órgãos conectados.
A mesma empresa (TISSUSE) que inventou esses “chips” pra dois mini-órgãos também fabrica placas pra 4 mini-órgãos tornando possível acrescentar um rim, por exemplo, no sistema. E eles estão trabalhando no desenvolvimento de um “chip” representando todo o corpo humano, com compartimentos pra fazer váaarios mini-órgãos interligados!! Ah e no site deles tem vários vídeos legais mostrando o funcionamento dos “chips” e vários trabalhos diferentes sobre esses sistemas (Inglês).
* Esse post não é patrocinado de forma alguma por nenhuma empresa.
Agradecimentos especiais ao colaborador Pedro Regufe que fez a arte pro post (desenho esquemático dos “chips”)
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